SIM
Quem tem medo da
transparência?
Muito
se tem falado nos últimos dias sobre transparência. E isso se dá a propósito da
entrada em vigor da lei federal 12.527/2011, que regula o acesso do cidadão à
informação. Notícias divulgadas nesta Folha dão conta de que o Supremo Tribunal
Federal pretende, em observância à citada lei, divulgar os salários de todos os
ministros e servidores da corte. Por divulgar, leia-se indicar os vencimentos
recebidos e os nomes dos beneficiários.
Trata-se
de uma medida oportuna, que merece total apoio dos juízes do trabalho
brasileiros, exemplo claro de que o presidente do STF, ministro Ayres Britto,
está decidido a atacar aquilo que ele mesmo chama de "cultura do
biombo".
Com
exceção de informações de cunho estritamente pessoal -pensões alimentícias e
pagamentos de empréstimos consignados, por exemplo-, todo cidadão deve saber
quanto ganha o seu juiz. O mesmo vale para parlamentares, ministros de Estado
(incluindo valores recebidos pelo trabalho em conselhos de estatais etc.) e
servidores dos três Poderes (com as respectivas gratificações e incorporações).
A
medida servirá, aliás, para desmistificar alguns números inexatos que povoam o
imaginário da sociedade, desconfiada, com certa razão, infelizmente, sobre
algumas formas menos claras de mascarar rendimentos de agentes e servidores
públicos, seja nos tribunais ou nos demais Poderes.
Pode,
e deve, a sociedade saber, por exemplo, que um juiz do trabalho ou juiz federal
comum ganha, por mês, líquidos (descontado Imposto de Renda e previdência
social), R$ 15.630,84 (mais R$ 710,00 de auxílio-alimentação), para um
vencimento bruto de R$ 22.911,74.
Os
magistrados de segundo grau, chamados desembargadores, ganham 5% a mais. Os
juízes substitutos, 5% a menos.
Sabemos
que algumas vozes, bem ou mal intencionadas, alegam que tal divulgação, por
identificar os beneficiados, invadiria a intimidade das pessoas ou poderia
implicar ameaça à segurança de agentes e servidores.
Com
todo o respeito, quem escolhe a carreira pública sabe que tal opção é
acompanhada de exigências específicas de quem é pago pelos cofres públicos.
A
questão da segurança, quanto aos juízes, está longe de ser associada aos
rendimentos recebidos por tais agentes, mas sim ligada aos interesses
contrariados pela atuação de Poder Judiciário.
Ou
seja, as ameaças aos juízes devem ser combatidas por políticas especiais de
governo, e não por uma suposta preservação de dados financeiros.
Os
juízes do trabalho acreditam que a chamada "lei da transparência" é
um importante aperfeiçoamento do sistema democrático, na medida em que
permitirá à sociedade conhecer o destino dos recursos desta que é hoje a sexta
economia mundial em números absolutos.
Nesse
sentido, alertamos a sociedade para exercer ainda maior vigilância no sentido
de cobrar de todos os agentes públicos (em âmbito nacional, estadual e
municipal) o implemento da efetiva e real transparência, de modo que sejam
claramente identificadas em todas as despesas envolvendo União, Estados e
municípios, bem com as empresas estatais e públicas, a origem e a natureza do
gasto, bem como o respectivo beneficiário (pessoa física ou jurídica, inclusive
com especificação dos sócios das organizações empresarias).
Bem,
agora todos sabem quanto ganham os juízes e que nós nada temos a esconder. Quem
mais se habilita a proceder da mesma forma?
RENATO
HENRY SANT'ANNA, 46, é presidente da Anamatra (Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho)
NÃO
Transparência,
desde que bem manejada
A
Associação dos Magistrados do Brasil louva o propósito de transparência que
motivou a edição da lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. A transparência dos
Poderes é uma clara necessidade da democracia. O Judiciário está em sintonia
com os anseios da sociedade. Tanto que confirmou a abertura de dados e julgou,
no ano passado, mais de 20 milhões de processos de interesse do cidadão.
Ainda
assim, é preciso adotar critérios para a publicação de dados salariais, no
intuito de compatibilizar a finalidade de transparência com a necessária
proteção da privacidade e da segurança dos servidores e juízes.
Dentro
dessa nova e arejada sistemática, mantendo hígida a intenção de propiciar a
sindicância por parte de todo e qualquer cidadão, os dados salariais podem ser
publicados da seguinte forma:
1)
Cargo;
2)
Vencimentos brutos;
3)
Descontos: (a) especificando cada item tocante a tributos e contribuições, como
Imposto de Renda e Previdência Social, e (b) informando a totalidade das consignações
(sem especificações, para evitar invasão de privacidade, mesmo porque
desinteressa à finalidade almejada na citada lei);
4)
Vencimentos líquidos.
Publicar
os cargos, conforme ressaltado, permitirá uma análise do perfil remuneratório
de cada um, sem exposição própria e de sua família a ameaças à sua privacidade
e à segurança.
É
necessário que se publique, além dos vencimentos brutos, os descontos, na forma
proposta, no intuito de evitarmos uma "transparência pela metade",
situação que só gerará distorções de entendimento e desserviço à causa pública.
Se
a transparência é um princípio constitucional, há outros igualmente
constitucionais que justificariam a não divulgação de nomes.
Valores
devem ser divulgados, óbvio, porque são públicos e estão no orçamento e nas
prestações aos tribunais de contas. Agora, apontar nomes, insisto, é violar a
privacidade das pessoas, sujeitando-as a riscos desnecessários, como o ter o
patrimônio desviado.
Como
bem pontuou o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal
Federal: "A vida democrática contemporânea é de controle, de participação,
de ativação da cidadania, e o Brasil cresce com isso: nossas decisões se
legitimam ainda mais quando há esse acompanhamento, até crítico, por parte da
população".
A
transparência -desde que bem manejada- é uma ferramenta eficiente contra a
corrupção. O Brasil vive hoje um problema endêmico de corrupção, e as
sucessivas CPIs instaladas partiram de denúncias nas quais a mistura entre o
público e o privado promoveu uma série de desmandos e desvios milionários.
Mas
o que reduz a corrupção é termos um Ministério Público e tribunais de contas
atuantes e polícias devidamente aparelhadas. Sobretudo, prestigiar os tribunais
estaduais, de modo particular o primeiro grau, em favor de uma magistratura
fortalecida e independente no combate à criminalidade e à improbidade
administrativa.
A
AMB não é contra a Lei da Transparência. Há vozes divergentes até mesmo no Supremo;
devemos ouvi-las com muito respeito e ponderação. Afinal, existem, hoje, cerca
de 400 juízes ameaçados no Brasil, dos quais quatro foram assassinados. Zelar
pela segurança e privacidade dos cidadãos é dever do Estado brasileiro.
Perder
direitos é muito fácil, o duro é ter que percorrer o caminho para
reconquistá-los. Sopesemos os valores envolvidos na busca de um ideal maior que
norteia o Estado democrático de Direito: o incondicional cumprimento da
Constituição Federal.
NELSON
CALANDRA, 66, é presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil)
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