sábado, 26 de maio de 2012

Servidores do Judiciário também devem ter seus salários divulgados na internet?


SIM
Quem tem medo da transparência?

Muito se tem falado nos últimos dias sobre transparência. E isso se dá a propósito da entrada em vigor da lei federal 12.527/2011, que regula o acesso do cidadão à informação. Notícias divulgadas nesta Folha dão conta de que o Supremo Tribunal Federal pretende, em observância à citada lei, divulgar os salários de todos os ministros e servidores da corte. Por divulgar, leia-se indicar os vencimentos recebidos e os nomes dos beneficiários.
Trata-se de uma medida oportuna, que merece total apoio dos juízes do trabalho brasileiros, exemplo claro de que o presidente do STF, ministro Ayres Britto, está decidido a atacar aquilo que ele mesmo chama de "cultura do biombo".
Com exceção de informações de cunho estritamente pessoal -pensões alimentícias e pagamentos de empréstimos consignados, por exemplo-, todo cidadão deve saber quanto ganha o seu juiz. O mesmo vale para parlamentares, ministros de Estado (incluindo valores recebidos pelo trabalho em conselhos de estatais etc.) e servidores dos três Poderes (com as respectivas gratificações e incorporações).
A medida servirá, aliás, para desmistificar alguns números inexatos que povoam o imaginário da sociedade, desconfiada, com certa razão, infelizmente, sobre algumas formas menos claras de mascarar rendimentos de agentes e servidores públicos, seja nos tribunais ou nos demais Poderes.
Pode, e deve, a sociedade saber, por exemplo, que um juiz do trabalho ou juiz federal comum ganha, por mês, líquidos (descontado Imposto de Renda e previdência social), R$ 15.630,84 (mais R$ 710,00 de auxílio-alimentação), para um vencimento bruto de R$ 22.911,74.
Os magistrados de segundo grau, chamados desembargadores, ganham 5% a mais. Os juízes substitutos, 5% a menos.
Sabemos que algumas vozes, bem ou mal intencionadas, alegam que tal divulgação, por identificar os beneficiados, invadiria a intimidade das pessoas ou poderia implicar ameaça à segurança de agentes e servidores.
Com todo o respeito, quem escolhe a carreira pública sabe que tal opção é acompanhada de exigências específicas de quem é pago pelos cofres públicos.
A questão da segurança, quanto aos juízes, está longe de ser associada aos rendimentos recebidos por tais agentes, mas sim ligada aos interesses contrariados pela atuação de Poder Judiciário.
Ou seja, as ameaças aos juízes devem ser combatidas por políticas especiais de governo, e não por uma suposta preservação de dados financeiros.
Os juízes do trabalho acreditam que a chamada "lei da transparência" é um importante aperfeiçoamento do sistema democrático, na medida em que permitirá à sociedade conhecer o destino dos recursos desta que é hoje a sexta economia mundial em números absolutos.
Nesse sentido, alertamos a sociedade para exercer ainda maior vigilância no sentido de cobrar de todos os agentes públicos (em âmbito nacional, estadual e municipal) o implemento da efetiva e real transparência, de modo que sejam claramente identificadas em todas as despesas envolvendo União, Estados e municípios, bem com as empresas estatais e públicas, a origem e a natureza do gasto, bem como o respectivo beneficiário (pessoa física ou jurídica, inclusive com especificação dos sócios das organizações empresarias).
Bem, agora todos sabem quanto ganham os juízes e que nós nada temos a esconder. Quem mais se habilita a proceder da mesma forma?

RENATO HENRY SANT'ANNA, 46, é presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)

NÃO
Transparência, desde que bem manejada

A Associação dos Magistrados do Brasil louva o propósito de transparência que motivou a edição da lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. A transparência dos Poderes é uma clara necessidade da democracia. O Judiciário está em sintonia com os anseios da sociedade. Tanto que confirmou a abertura de dados e julgou, no ano passado, mais de 20 milhões de processos de interesse do cidadão.
Ainda assim, é preciso adotar critérios para a publicação de dados salariais, no intuito de compatibilizar a finalidade de transparência com a necessária proteção da privacidade e da segurança dos servidores e juízes.
Dentro dessa nova e arejada sistemática, mantendo hígida a intenção de propiciar a sindicância por parte de todo e qualquer cidadão, os dados salariais podem ser publicados da seguinte forma:
1) Cargo;
2) Vencimentos brutos;
3) Descontos: (a) especificando cada item tocante a tributos e contribuições, como Imposto de Renda e Previdência Social, e (b) informando a totalidade das consignações (sem especificações, para evitar invasão de privacidade, mesmo porque desinteressa à finalidade almejada na citada lei);
4) Vencimentos líquidos.
Publicar os cargos, conforme ressaltado, permitirá uma análise do perfil remuneratório de cada um, sem exposição própria e de sua família a ameaças à sua privacidade e à segurança.
É necessário que se publique, além dos vencimentos brutos, os descontos, na forma proposta, no intuito de evitarmos uma "transparência pela metade", situação que só gerará distorções de entendimento e desserviço à causa pública.
Se a transparência é um princípio constitucional, há outros igualmente constitucionais que justificariam a não divulgação de nomes.
Valores devem ser divulgados, óbvio, porque são públicos e estão no orçamento e nas prestações aos tribunais de contas. Agora, apontar nomes, insisto, é violar a privacidade das pessoas, sujeitando-as a riscos desnecessários, como o ter o patrimônio desviado.
Como bem pontuou o ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal: "A vida democrática contemporânea é de controle, de participação, de ativação da cidadania, e o Brasil cresce com isso: nossas decisões se legitimam ainda mais quando há esse acompanhamento, até crítico, por parte da população".
A transparência -desde que bem manejada- é uma ferramenta eficiente contra a corrupção. O Brasil vive hoje um problema endêmico de corrupção, e as sucessivas CPIs instaladas partiram de denúncias nas quais a mistura entre o público e o privado promoveu uma série de desmandos e desvios milionários.
Mas o que reduz a corrupção é termos um Ministério Público e tribunais de contas atuantes e polícias devidamente aparelhadas. Sobretudo, prestigiar os tribunais estaduais, de modo particular o primeiro grau, em favor de uma magistratura fortalecida e independente no combate à criminalidade e à improbidade administrativa.
A AMB não é contra a Lei da Transparência. Há vozes divergentes até mesmo no Supremo; devemos ouvi-las com muito respeito e ponderação. Afinal, existem, hoje, cerca de 400 juízes ameaçados no Brasil, dos quais quatro foram assassinados. Zelar pela segurança e privacidade dos cidadãos é dever do Estado brasileiro.
Perder direitos é muito fácil, o duro é ter que percorrer o caminho para reconquistá-los. Sopesemos os valores envolvidos na busca de um ideal maior que norteia o Estado democrático de Direito: o incondicional cumprimento da Constituição Federal.

NELSON CALANDRA, 66, é presidente da AMB (Associação dos Magistrados do Brasil)

Nenhum comentário:

Postar um comentário