quarta-feira, 20 de junho de 2012

Avanços trazidos pela lei “Maria da Penha”


Milhares de mulheres em nosso país são habitualmente humilhadas, agredidas e violentadas por seus próprios maridos em um ambiente do qual não têm como fugir: sua própria casa. A covardia não tem nível econômico ou social: nas classes sociais excluídas, no entanto, o drama é maior.

Grave drama social que sempre afligiu nossa vida em comunidade, mas que nunca foi enfrentado de forma adequada, por se tratar de violência praticada, não pelo delinquente anônimo, das ruas e esquinas das cidades, mas pelos próprios maridos, namorados ou pessoa com que a vítima convive, há longo tempo a sociedade clamava por medidas mais eficazes e contundentes contra tais indivíduos.

Infelizmente, durante tempos, em face de uma mentalidade arraigada e profundamente machista, ameaças, vias de fato, menosprezo, ofensa, achincalhe;  tudo que provocasse dor física ou moral dentro dos lares era encarado como uma mera briga entre casais, esquivando-se o Estado, muitas vezes, de interferir nessas relações, com o escopo de preservar o vínculo conjugal, a entidade familiar. E assim se perpetuou um gravíssimo círculo vicioso em que as mulheres tornaram-se reféns de seus lares e da violência perpetrada por seus esposos. Enclausuradas pela dependência econômica, pressão familiar, depressão ou medo, se viram lançadas num profundo abismo.

Já não era sem tempo, portanto, a edição de uma lei protetiva das mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar e que se conformasse com os instrumentos legais já à disposição, como o  § 8º do art. 226 da Constituição Federal,  a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e  outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil

É nesse cenário que foi editada a Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, a qual: (a) criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher; (b) dispôs sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; (c) estabeleceu medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Muitos sem dúvidas foram os avanços, pois constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade deverá adotar  providências visando assegurar a integridade física da mulher, como, por exemplo: garantir a sua proteção policial; se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;  encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Medido Legal etc. O juiz, por sua vez, poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, algumas medidas protetivas de urgência, dentre as quais, o afastamento do ofensor do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; a proibição de determinadas condutas, entre as quais a aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor. Estes são apenas alguns exemplos dos avanços trazidos pela Lei “Maria da Penha”.

Os avanços, felizmente, não param por aí. No último dia 09 de fevereiro, houve importante decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (ADI 4424): no crime de lesões corporais de natureza leve, se for violência doméstica, o inquérito policial e o processo criminal não dependem de autorização da mulher agredida. Com isso, de nada adianta o marido que praticou a violência, ameaçar, constranger ou chantagear a vítima para que não reclame à polícia ou retire a reclamação. Tomando conhecimento do fato, a polícia e o Ministério Público estarão obrigados a agir, mesmo que a vítima não autorize o processo ou, mais, mesmo que peça para não ser instaurado. Até um vizinho que ouvir a pancadaria, poderá chamar a polícia, a qual prenderá em flagrante o agressor, ainda que a mulher toda machucada peça para deixar livre seu marido. Acertou o STF. Para que a proteção seja ampla e eficaz, não dá para depender da vontade da mulher agredida, quase sempre, alguém que perdeu toda e qualquer esperança e já se entregou à própria sorte.

Com muita sapiência, o STF foi mais além, pois entendeu ser constitucional a vedação da Lei dos Juizados Especiais Criminais aos crimes de violência doméstica ou familiar. Sem dúvida. Seria uma contradição interminável considerá-los de menor potencial ofensivo e contemplar o marido, namorado delinquente com uma série de benefícios legais como transação penal ou suspensão condicional do processo, fazendo com que a lei perde-se seu objeto protetivo.

A luta, no entanto, continua. Pois algumas falhas ainda existem em nossa legislação e que não permitem uma maior efetividade da Lei Maria da Penha. Por exemplo:  o crime de ameaça (artigo 147 do Código Penal) é punido com detenção de 01 (um) a 06 (seis) meses ou multa. Trata-se de irrisória pena para um crime que é o próprio prenúncio de que um mal maior será praticado contra a mulher.

Por essa razão, os legisladores da reforma do Código Penal deverão ficar mais atentos para harmonizá-lo às demais leis esparsas, como a “Maria da Penha”, sob pena de tornar esses diplomas protetivos uma mera promessa vazia. 

De qualquer modo, fazendo um balanço da Lei, desde a sua edição em 2006, os benefícios trazidos são profundamente significativos e esperamos um aprimoramento cada vez maior da legislação para que outras mulheres não sofram o triste drama da “Maria da Penha”, cearense que inspirou a Lei, por ter ficado paraplégica, após sofrer duas tentativas de homicídio praticadas pelo marido, que a torturava diariamente.

Artigo publicado com exclusividade na Cartilha Sobre Agressão à Mulher e Seus Aspectos Jurídicos, elaborada pela Dra. Clarice D’Urso 

FONTE: Fernando Capez

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