sexta-feira, 20 de abril de 2012

Liberdade intelectual no STF - por Alexandre de Moraes



Pedir impeachment ao Senado do ministro Marco Aurélio por seu voto a favor do aborto de anencéfalos é um atentado à independência do Judiciário
O requerimento entregue ao Senado pedindo o impeachment do ministro Marco Aurélio por sua posição no julgamento da interrupção de gravidez no caso da anencefalia representa, desde a redemocratização, um dos maiores atentados à independência do Judiciário.
Na luta em defesa da Constituição e pelos ideais republicanos, o STF é exemplo à nação, atuando com coragem, dedicação e seriedade, reafirmando a necessidade de os governantes honrarem as leis, acima de suas vontades.
Porém, para que isso permaneça, é necessária uma Justiça efetiva, que só se obtém com um Judiciário altivo, composto de homens e mulheres com liberdade intelectual.
Em um de seus mais inspirados momentos, Martin Luther King afirmou que "há um desejo interno por liberdade na alma de cada humano. Os homens percebem que a liberdade é fundamental e que roubar a liberdade de um homem é tirar-lhe a essência da humanidade".
O desejo interno por liberdade na alma do ser humano alcança seu mais amplo significado na liberdade individual e intelectual de pensamento e de expressão.
Desaparecendo a liberdade, desaparecerá o amplo debate de ideias, quebrando-se o respeito à soberania popular.
Uma nação livre se constrói com liberdade. Ela existirá onde houver democracia, que nunca será sólida sem juízes independentes.
Na questão do feto anencéfalo, podemos ou não concordar com o ministro Marco Aurélio que "não é dado invocar o direito à vida dos anencéfalos". Também podemos ou não concordar com o ministro Lewandowski quando ele afirma que "uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia abriria as portas para a interrupção da gestação de inúmeros outros embriões".
Mas jamais poderemos concordar com a tentativa de coação da suprema garantia de liberdade intelectual dos membros da alta corte, pois isso equivale a censurar a liberdade de imprensa, a cercear a livre manifestação de expressão -equivale a atentar contra a democracia.
Jamais os admiradores ou críticos de Marco Aurélio poderão acusá-lo de subserviência, desonestidade intelectual, passividade e desinteresse por um Brasil melhor.
Com sua firmeza de caráter e honestidade intelectual, o ministro honra o STF há mais de 20 anos, sendo modelo para o mundo jurídico.
Não raras vezes pretenderam suprimir a independência do juiz, cerceando sua liberdade intelectual. Mas não será perante a "Constituição cidadã" que, sob a falsa imputação de crime de responsabilidade, será possível restringir a autonomia do STF. Só excepcionalmente se prevê um abrandamento à vitaliciedade de seus membros, ao estabelecer em seu artigo 52 a competência do Senado para julgá-los.
Trata-se de norma de responsabilização por prática de infrações político-administrativas contra a Constituição. Não é uma norma a ser utilizada para cercear a liberdade intelectual dos juízes.
Ao ministro Marco Aurélio, que defende a vida, a dignidade da pessoa humana, a laicidade e a liberdade de crença religiosa, aplica-se o Sermão da Montanha: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados".
ALEXANDRE DE MORAES, 43, advogado, é professor da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi promotor, secretário da Justiça de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Justiça

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