terça-feira, 27 de março de 2012

Transparência e prestação de contas - a modernização do Judiciário brasileiro.


Duas faces da Justiça
Iniciativas modernizadoras, como as estatísticas abertas pelo Supremo, convivem com práticas atrasadas e privilégios extemporâneos
A celeuma que há alguns meses envolve o Judiciário resulta de uma tensão que mal começa a ser resolvida entre modernidade e atraso. De um lado, práticas que colocam a Justiça sob escrutínio público; de outro, reações de uma corporação ainda refém dos próprios defeitos.
A iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) de divulgar dados estatísticos sobre processos é um exemplo de avanço. Com a medida, a Corte assume a linha de frente da implementação da Lei de Acesso a Informações Públicas, que entra em vigor em maio.
Ao adiantar-se à lei, o Supremo permite à sociedade acompanhar a eficiência de seus procedimentos. O cidadão interessado pode agora verificar quantos processos cada ministro tem em seu gabinete, por exemplo, e se estão parados.
Ferramentas como essa, além de representarem importante ganho de gestão, são um passo decisivo na direção da transparência e da prestação de contas, deveres a que estão submetidos todos os Poderes de uma República.
Aprofunda-se, assim, a modernização do Judiciário brasileiro, que começou de fato em 2004, quando a emenda constitucional nº 45 criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como órgão de controle externo desse Poder.
Não é de estranhar, portanto, que o CNJ esteja no foco da controvérsia sobre o Judiciário. Responsável pela descoberta de desmandos por alguns magistrados -como os recentes privilégios em pagamentos de atrasados-, o órgão teve a atuação questionada por associações de juízes, mas o STF manteve seu poder de investigação.
Em vez de corroborar o esforço para reduzir a ineficiência e os abusos no Judiciário, porém, alguns magistrados preferem atacar não a existência de desvios, mas a sua revelação. Tampouco parece justificável insistir na manutenção de privilégios que, se um dia tiveram razão de ser, há muito já não têm.
É o caso do hábito de juízes trabalhistas não comparecerem ao fórum às sextas-feiras, revelado pelo programa "TV Folha" (transmitido aos domingos pela TV Cultura). Os magistrados, na hipótese mais condescendente, passam pelo fórum para pegar os processos e trabalhar em casa.
A resistência à modernização se manifesta até mesmo quando a novidade parece inofensiva, como a adoção de julgamentos por e-mail. A inovação foi introduzida no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas, por enquanto, não prosperou.
Os membros do Poder Judiciário precisam dar-se conta de que, no Brasil de hoje, prerrogativas arcaicas não têm mais lugar. A pressão pela modernização da Justiça vai continuar.
Editoriais, Folha de São Paulo, 27/03/2012.

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